3 - Vida de Um Viciado

Domingo, 22:10

Já são 22:11, e eu estou aqui sozinho, acho que só mesmo meu cachorro para me amar nesta situação, este fim de semana, não falei com ninguém, usei mais palavras falando sozinho do que com minha esposa neste dois dias.

Estou me sentindo melhor fisicamente, os filmes e minisséries que assisti, me desviaram um pouco da minha horrível realidade, amanhã as 09:00 estarei sentado na minha mesa, fazendo meu bom trabalho, enjoado e tenho certeza que ainda sentindo a cocaína grudada dentro do meu nariz, bem fundo, vou estar ainda fraco, sem ânimo, vou descer sozinho para fumar algumas vezes, pensar na vida, ter um pouco de esperança, talvez pensar mais uma vez em como seria a morte.... pensar mais uma vez em acabar com a minha vida... pensar nas diversas formas que poderia fazer isso.

Se você esta lendo isso, não se assuste, ou não tema pela minha vida, até hoje, desde o dia em que desisti de me matar a quase 12 anos atrás, eu tenho sobrevivido, isso mesmo SOBREVIVIDO, não VIVIDO, porque principalmente nestes últimos 6 anos, período este em que tenho sido um viciado, eu chego a um ponto em que penso, vou tentar mais uma vez.... e passados sempre 4, 5 ou 6 dias, eu faço essa merda novamente, de cada 7 dias, tenho somente 2 dias, no máximo e dificilmente 3 dias, de uma vida quase normal, e esses dias não são dias felizes, são simplesmente dias em que estou afogado no trabalho.

Tem uma lembrança que esta teimando em não sair da minha mente este fim de semana, foi um dia em que tentei me matar, a pouco mais de 1 ano ou menos, sinceramente, o tempo para mim não passa da mesma forma que para as pessoas normais, mas vou contar-lhe como foi, não com riqueza de detalhes, mas de forma pura, mais como um sentimento que não pode ser descrito exatamente como me faz sentir, mas ai vai....

Não me lembro como começou aquela noite, só me lembro do dia amanhecer, estava voltando para minha casa, sujo, rasgado, com o fim do "barato" da droga passando e a minha lucidez retornando aos poucos, moro perto de uma represa, passei direto pela entrada da rua da minha casa, e subi sentido a serra perto de onde moro, encostei minha moto e olhei para a água, respirei profundamente e fiquei ali parado alguns momentos sentindo a tristeza dos meus atos e seus resultados, minha esposa, sozinha, dormindo em casa, ou com alguém, não sei se já fui traído, mas não poderia culpa-la se o fizesse.

Ignorei o freio, ignorei tudo a minha volta, sentei em uma pedra submersa, meu corpo da cintura para baixo dentro da água, apanhei um pedaço de vidro, de algum tipo de vaso usado em alguma oferendo, coisa comum daquele lugar, verifiquei se esta afiado, não estava, procurei ali mesmo sem me levantar por algum pedaço mais afiado e sem muito trabalho achei.

Chorei, lutei contra minha vontade de sobreviver, não foi fácil o primeiro corte, mas foi este primeiro que me deu forças para prosseguir e desistir de lutar, não deu muito resultado, havia pouco sangue escorrendo.

Li em algum lugar uma vez que se cortar profundamente, pode cortar um ligamento ou sei lá como se chama, cortar aquilo que permite sua mão movimentar-se, tornando difícil cortar o outro pulso.

Então estava tentando cortar meus pulsos, mas sem danificar meus movimentos para poder faze-lo também no meu outro pulso.

A droga do vidro não era tão afiado quanto eu esperava, tentei mais alguns cortes e repentinamente joguei aquele pedaço de vidro longe na água, e chorei... chorei por muito tempo, pensei em tudo que iria enfrentar, o medo de verem o corte, me internarem a força, perder meu emprego, mais a frente perder minha esposa, ser visitado pela mãe que tanto odeio por toda a violência que sofri, pensei... chorei...chorei...

Levantei-me e finalmente fui para casa. Para alguém que trabalha de social, em uma instituição financeira das maiores da América latina, ganhando seus R$ 2.000,00 por mês, com uma moto zero, um carro comprado zero com 1 ano de uso, tudo financiado... lá estava eu, imundo, rasgado, sangrando um pouco, sentindo-se fracassado como gente, como homem, como marido, como... suicida...

Não me lembro o que aconteceu quando cheguei em casa, não me lembro de como minha esposa pode ter me olhado, mas imagino.

Só sei que ainda estou aqui, tentando, sobrevivendo, sofrendo, dia após dias, cada vez mais sozinho...

Por quanto tempo ainda vai durar minha dor? Quanto tempo ainda vou estar vivo?

Domingo, 22:36

  [Voltar]  

---

Para fazer comentários, realize o login.

---